12/02/2007

Paranoid Park


Um adolescente inserido numa subcultura urbana é desviado das preocupações típicas da idade para se lançar num dilema existencial que vai preencher todo o espaço da sua consciência. Alex, um skater americano de 16 anos, mata um segurança acidentalmente e decide não contar nada a ninguém. É este o argumento de “Paranoid Park”.
Gus Van Sant, tal como em “Elephant”, conta-nos a história mostrando os factos num relato visual em que a câmara segue os movimentos dos personagens: segue-os de costas, de frente, segue os movimentos de um skater dentro do mítico “Paranoid Park”...
Não existe emoção nem acções violentas ou espaço para julgamentos éticos ou morais, temos apenas a visão crua dos factos.
O ambiente é outra coisa prodigiosa neste filme e Gus Van Sant sabe recriá-lo de uma forma tão singular quanto fiel à realidade. A subcultura do skate está recriada de uma forma perfeita, com as pessoas reais, os gestos reais, as expressões reais.
Dentro desta subcultura temos o adolescente Alex, que faz do skate a coisa mais importante da sua vida. Mas aqui, não nos é mostrado isso através de emoções ou sentimentos, mas por meio de imagens reais e factuais que não se diferenciam muito do que podemos ver com os nossos próprios olhos na rua. A diferença é que aqui temos o olhar objectivo mas ainda assim artístico que produz belíssimos planos e cenas completamente destituídas daquilo a que vou chamar “sentimento emocional”. O sentimento aqui é vazio de emoção, olhamos e podemos identificá-lo mas nunca senti-lo como se fosse parte de nós e emocionarmo-nos com ele.
Existe angústia e apatia perante tudo e todos e, uma grande crise existencial mas, tudo coberto com a névoa que separa o observador dos sentimentos vivos e fervilhantes no interior do personagem.
A solidão e desolação de todo o filme estão logo na primeira imagem da ponte de Portland: uma ponte verde e vazia recortada num campo que exala abandono e vazio. É este o tom dominante do espírito de Alex ao longo de todo o filme. A solidão absoluta de quem cometeu um assassinato (ainda que involuntário) e não o pode (quer) confiar a ninguém. A sensação de ter tirado a vida a alguém dominando toda a existência de um adolescente que não tem estofo psicológico para lidar com isso e se vai desligando da realidade.
Todo o filme se vai desenrolando enquanto Alex, a conselho de uma amiga vai escrevendo uma carta (confissão) onde descreve o acidente com o segurança enquanto apanhava comboios comerciais perto do Paranoid Park. Alex acaba por alargar o relato a outros aspectos da sua vida como a relação superficial com a namorada, o mundo do skate, a separação dos pais.
É muito interessante a imagem de Alex encaminhando-se para um banco de pedra no meio de um campo de erva, perto da praia. Aqui, fica a escrever a carta ao som do murmulhar das ondas e a sua imagem no banco, no meio do nada é a metáfora perfeita do seu isolamento do mundo e das outras pessoas. O mesmo posso dizer da magnífica cena do banho, quando a câmara parece parar num grande plano da cabeça de Alex curvada para o chuveiro, a água a cair de uma forma irreversível e desoladora revelando o ponto mais intenso da angústia do adolescente. Depois do acidente, Alex só tem tempo para se mexer instintivamente e abandonar o local do crime o mais rápido possível. E é ali em casa do amigo, completamente sozinho quando vai tomar banho, que tem pela primeira vez tempo para pensar e contactar com a realidade de ter matado uma pessoa. A escuridão, a água a correr de forma contínua e aleatória acentua a tensão e angústia que vai crescendo na sua consciência.
Alex é assim, arrancado da apatia e banalidade da vida que levava para cair numa nova apatia e melancolia que o faz viver constantemente encerrado no interior da sua própria consciência.
O jovem acaba por queimar as muitas folhas da carta que tinha escrito em mais uma lenta e deliciosa cena.
Destaco ainda as imagens de skaters a rodar num cilindro gigante de cimento em Paranoid park enquanto Alex adormece numa aula de química que finalizam o filme. Tal como outras cenas do filme, dariam para fazer um excelente documentário mudo sobre este mundo. As imagens são de facto magníficas.

2 comentários:

Pita disse...

Há por aqui uns contra sensos.
Ainda assim é um dos filmes que ficam em espera para 2008.
Escolhi "Control" de Corbijn na última passagem pelo King.

Beijo e óptimo 2008.

Anónimo disse...

Well said.