2/11/2014

As Praxes



Demasiado se tem falado das praxes nos últimos tempos. Demasiado porque, parece-me, não se tem chegado a conclusão nenhuma, pelo menos a uma conclusão de jeito: prática, útil e de acordo com o melhor interesse geral.
As pessoas limitam-se a dar opiniões, dizem se são contra ou a favor e o porquê. E os argumentos de ambas as partes, para além de velhos e sobejamente conhecidos são, muitas vezes, superficiais pouco razoáveis.
Mesmo assim tenho consumido algumas peças sobre este assunto: crónicas, comentários, reportagens e debates.
Até cheguei a uma conclusão, mas já lá vamos.

Quando entrei para a universidade ainda não tinha 18 anos. Ficava numa cidade perto de casa e tratava-se duma universidade bem pequena sem grande tradição de praxes. Porque sou muito curiosa, foi com grande entusiasmo que aderi às praxes. Sempre queria ver o que era aquilo e se era tão divertido como esperava. O que esperava é que fosse uma forma de conhecer montes de pessoas e interagir com elas, de uma maneira diferente e divertida. Sinceramente era o que pensava na altura, não sei onde fui buscar essa ideia, mas o facto é que, para mim, foi isso mesmo.

O que se passou foi o seguinte: pintaram-me a cara, arranjaram-me um nome de caloira (que era tão complexo que nem me lembro qual era, só sei que era uma palavra completamente inventada pelo que, pelo menos não a considerei insultuosa), mandaram-me olhar sempre para o chão, cantar, manusear partes cruas de animais, pescar rebuçados, com a boca, em sacos de farinha, fazer declarações de amor a velhotes, no jardim público, usando palavras bastante obscenas, passear pela cidade de penico na cabeça e partir ovos na cabeça de outros caloiros levando, ao mesmo tempo, com outros na cabeça.
Ninguém me obrigou a beber (infelizmente), não me espancaram, nem me chamaram muitos nomes. Implicaram um pouco comigo por ser de Alpiarça (o que achei totalmente compreensível e razoável), quase que dei por mim a chorar de humilhação já nem me lembro porquê mas acho que era porque uma rapariga feia e estúpida me mandou calar (deve ser das maiores ofensas que me podem fazer, a mim que estou sempre convencida de ter imensas coisas extremamente interessantes para dizer…), e foi isso.
Diverti-me imenso. Conheci pessoas extraordinárias e divertidas, fui uma das três caloiras do ano (todas de Alpiarça). Dizem que fomos as que mais sofreram castigos nas praxes e que nos portámos muito bem apesar de tudo. E nem sequer chorei, iupi! (sarcasmo).

Agora, depois de ver e ouvir o que tem passado nos meios de comunicação acerca das praxes (dando sempre mais relevância a peças que considero sérias e pertinentes), cheguei à conclusão de que o melhor seria acabar com as praxes de uma vez por todas.
Porquê? Bem, acredito que mal não faz, que pode ser divertido e que insere o aluno num grupo de amigos e colegas mais depressa mas, a sério, é mesmo necessário haver praxes para isso? Existe mesmo sentido em fazer figuras tristes pelas ruas com uma série de pessoas a gritar atrás de nós?
Muitas dessas pessoas são divertidas e interessantes, estão ali a brincar connosco e tornar-se-ão, rapidamente, grandes amigos mas uma boa parte delas são pessoas frustradas, com uma fraca personalidade e uma ainda mais fraca autoestima, que precisam de mandar uns gritos e humilhar uns semelhantes para se sentirem gente. São aqueles que, mais tarde, fazem o mesmo em ambiente de trabalho e em qualquer ambiente em que estejam inseridos. Quanto a isso nada a fazer. Mas permitir que estas humilhações publicas ou mesmo brincadeiras inocentes sejam consideradas tradição e desencadeiem, demasiadas vezes, situações menos agradáveis depois de tudo o que sabemos que já aconteceu de errado?

Depois de muito pensar, não faz sentido nenhum que não sejam proibidas de vez. Eu gostaria de ter a liberdade de não ver seres humanos a fazer figuras tristes pelas ruas da minha cidade (falo dos “doutores” evidentemente) e não ouvir tanto espalhafato nos meios de comunicação sobre algo que, por me parecer tão inútil e banal, nem devia sequer existir, quanto mais ser tão comentado.
Simplesmente os jovens deviam ter mais que fazer: divertir-se efetivamente sem ser, tradicional e oficialmente,  às custas do próximo, beber, fazer amigos, eventualmente estudar, namorar, conversar, fazer teatro, criar, produzir, dançar, etc, etc, etc.

Olhando para trás, e tendo passado momentos tão bons durante as praxes penso: “Passava sem isso?”. Passava. E ter-me-ia divertido tanto ou mais. 

1 comentários:

Raquel disse...

Belíssimos argumentos! Gostei muito do teu post, principalmente porque concordo com quase tudo ;) tenho algumas dúvidas na parte do "mal não faz" e " insere o aluno num grupo de amigos mais depressa"...
Tudo isto faz-me mesmo lembrar os rituais de iniciação em seitas (ou pior), em que para serem aceites têm que se sujeitar a trabalhos árduos, humilhações ou torturas. imitar orgasmos em publico para termos amigos? Really? :) isso são coisas de mentes ultrapassadas do século passado (sem querer ofender os defensores do tema). Bye