2/10/2015

Purga


A meia dúzia de domingos de verão em que nos levantamos de madrugada e saímos de casa ainda de noite, para estar na Costa da Caparica às oito horas, são os dias mais felizes da minha infância.
Hoje, a minha melhor amiga vai connosco.
Estou tão feliz, aos quinze anos, a correr atrás de memórias que nunca vão existir!
Enfio a minha euforia na mochila, materializada numa boia gigante em forma de tartaruga ninja. Vou galgar ondas em cima dela!
Sentamo-nos no melhor metro quadrado de areia dourada e macia da praia e, com o espírito inchado de entusiasmo, sopramos à vez para dentro do gigante insuflável.
Chegam cada vez mais pessoas.
À nossa frente, três jovens de dezoito anos, um casal e uma rapariga, tapam-me a vista e a leveza de alma. Em menos de três segundos, com sorrisos trocistas e expressões de gozo, colocam a nú a verdade da nossa condição. Adolescentes já com corpo de mulher a brincar como crianças com um brinquedo parvo de saloias, a soprar até à exaustão numa disformidade verde.
Doí-me na alma o reflexo que tenho de mim. A boia, inerte e triste, abandonada ao lado do saco das sandes, já não serve para nada.
Eu e a Ana amuadas. Desejo com toda a força e humilhação da minha mente que eles implodam.

Um alvoroço à distância espanta-me momentaneamente os desejos. Um labrador excessivamente gordo corre pela praia cheia de gente. Em camara lenta… muito lenta… É assim que o vejo, com as patas enormes, a aterrar nas costas da rapariga que sorria da minha tartaruga ninja. Sem incomodar mais ninguém, segue o seu caminho.
Ela geme. Ele sopra pateticamente para as costas dela.
Arrumam apressadamente as coisas. Irão ao hospital. Apoiada ao namorado, a coxear, ela lança-me um olhar dolorido.
Desaparecem e, no lugar deles, deixam uma vista mais ampla para o mar.
Viro-me para a Ana: “Que limpeza!”

0 comentários: